FUNDADORA DOS MASOQUISTAS ANÔNIMOS

É possível ser amiga de um ex-amor sem se machucar ou isso seria apenas a expressão do meu masoquismo? Eu não sei até onde isso é um erro meu ou até onde isso é o natural da espécie feminina que insiste em acreditar em conto de fadas e no lado bom das pessoas. Mas vamos lá.
Tudo começa assim: você conhece um cara, a partir do primeiro beijo já sente que deveria sair correndo dali e nunca mais procurar ou passar num raio de aproximadamente 100 km daquele cara. É isso mesmo, no beijo já sentimos acender o pisca-alerta e as sirenes do alarme de perigo começam a tocar, mas não damos ouvidos aos nossos instintos porque simplesmente é inevitável ficar perto dele. Dali começam as saídas e o envolvimento já é realidade, não há como fugir. Você se sente parte dele, quer sempre estar com ele.
Mas ele é sempre o estilo “solteiro convicto”, não cede aos seus apelos, não corresponde ao que você investe na relação. Você está sozinha sempre, mesmo ao lado dele. Mas como admitir pras amigas que você estava errada? Como admitir para si mesma que você está sofrendo? “Ele vai mudar”, você diz. “Ele vai se dar conta do quanto eu gosto dele. Isso é só uma fase, ele não quer admitir pros amigos que me ama também. Não passa de machismo”. Mas é ai que vem a grande virada da verdade, o tapa do destino. Aparece outra na jogada e com ela ele é tudo aquilo que nunca foi com você. Com ela, ele vive a sua história. Aquela que você criou pra vocês.
Os passeios a dois que você imaginava na beira da praia? Ele faz com ela. As viagens, almoços em família, planos de futuro, dividir as alegrias e até mesmo as coisas que o afligem? Sim, ele faz com ela. E ai você se dá conta, por mais que não admita publicamente, você se dá conta que aquele amor era só seu, existiu só pra você. Ele nunca te amou, sempre soube do seu amor e apenas o usou enquanto não tinha nada melhor pra fazer. Sim, essa é a dura realidade. Além de machista, ele era um egoísta.
Você leva um tempo pra se recuperar, um tempo bem razoável, afinal, masoquistas curtem a sua dor até a última gota, até o último suspiro. Surgem novos amores, novos flertes, namorados até. Mas aquele cara, aquela história jamais sai da sua cabeça. Até que um belo dia, vocês se reencontram e para sua surpresa, o sofrimento não era o bastante, você não se humilhou o suficiente ainda. É preciso tentar ser, ainda, a sua amiga. Você acha que dá conta, afinal... já passou tanto tempo não é verdade? Ambos amadurecemos... não, não é verdade. Isso nada mais é do que a sua dependência a ele implorando por só mais uma dose, só mais uma picada. Não vai te fazer mal.
E você cede. Se torna amiga, tenta ser. Fica próxima de novo, se sensibiliza por seus problemas, tenta ajudar, ser companheira e até dá umas escapadelas amorosas com ele de novo, mas agora é sem compromisso, “somos só amigos”. E ai você chega em um momento que precisa de um amigo, está numa maré baixa, autoestima baixa, tudo acontecendo de uma só vez, e cadê seu amigo? Deve estar no mundo das canetas bics ou das borrachas escolares, porque ele evaporou.
Sim, novamente você esteve numa relação com ele sozinha. Novamente você jogou pérolas a porcos. Se entregou a uma pessoa que nunca te viu como pessoa. E ai eu te pergunto: qual deve ser o nosso limite? Até onde devemos ir de verdade por alguém tão especial pra gente? Onde termina a dor e começa o sofrimento? Por que não podemos admitir que simplesmente não representamos para alguns o mesmo que eles representam pra gente e não deixamos a vida fluir?
Se você pudesse voltar no tempo, você faria tudo aquilo de novo? Eu acho que faria... Então? Sou mesmo masoquista?